Incidente

Estejamos sempre alerta, pois o presente sempre nos
revela surpresas, que percebemos tarde demais.
Notas de Sarayamma
O Mago Intrangisente

Naquela noite em fins do verão em Authuora, estava na ala sul do espaçoporto intergalático de Restplunj esperando a conexão de Vega – Signus IV, acomodado em uma das poltronas, um tanto impaciente.
Para um velho professor de história intergalática antiga, esperar naves hiperlú-micas eram enervantes, mas desta vez não havia como ser diferente.
A palestra proferida na Universidade Boreal foi muito produtiva e voltaria com novas experiências na bagagem pessoal. Muitos estudantes ainda têm idéias profun-das e instigantes. Ainda bem que sempre será assim. Tinha receios que no futuro a nossa evolução intelectual estagnasse, mas enfim, estes poucos criativos que ainda existem, me animaram muito.
- Então as ruínas de Spica V não revelaram nada?
- Sim, mas não...
Olhei incrédulo para o lado, onde em minutos antes não havia ninguém. Na i-mensa sala de espera, meus pensamentos ainda ecoavam nas paredes.
- Encontrei indícios que não se enquadram na história recente. Artefatos encon-trados na ala oeste das ruínas indicam que uma civilização mais antiga seja oriunda do perímetro do universo.
- Estavas em minha palestra na Universidade?
- Cheguei poucos minutos antes de terminar, mas consegui entender tuas con-clusões cerca de Beta Erydany. Gostei. Então deu o acaso de nos encontrarmos aqui no espaçoporto. Espero não estar importunando.
- Não. Pelo contrário. Poderias estender mais tuas idéias cerca da pesquisa que fizeste em Spica V?
- Talvez não muito, pois estou apressado e meu transporte irá sair daqui a pou-cos minutos. Mas gostaria que estudasse mais a fundo tuas teorias a respeito. Certa-mente vais tropeçar na verdade. Em uma das tuas idéias falas de se viajar ao longo do eixo do universo, em direção ao perímetro. Recomece tuas pesquisas deste ponto.
- Não sei exatamente do que estás falando. São muito vagas e gerais tuas pala-vras. Podes ser mais específico?
- Claro, mas não haverá tempo.
Nesse momento lembrei que teria que ir ao banheiro, após palestra não houve tempo. Pedi licença e me afastei. Antes de fechar a porta ainda o vi, acenando um a-deus. Após as urgências biológicas inadiáveis, retornei. Não havia ninguém.
Procurei nos terminais as informações sobre as ultimas partidas e nada. A últi-ma nave havia partido para a Terra, cerca de uma hora atrás.
Sentei pasmo. As idéias giravam em meu cérebro e as paredes acompanhavam.
Não me atrevo a dar uma explicação lógica. Muito menos uma mais espetacular ou fantasiosa. Apenas questiono o encontro inusitado.
Quem sabe foi só imaginação da minha parte. Certamente que foi isso.
Ao me virar para o lado onde encontro um pequeno livro, publicado por mim, em aspecto extremamente novo. A capa ainda brilhava. Meu primeiro livro de quarenta anos atrás.

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Dracula e Bram Stoker

Escritor irlandês nascido em Dublin, no histórico subúrbio de Clontarf, em 08 de novembro de 1847 e morto em Londres a 20 de abril de 1912. Chamava-se Abraham como seu pai (um oficial público civil e protestante na secretaria do Castelo de Dublin), mas sempre preferiu ser chamado de Bram. De uma família trabalhadora e austera cuja única fortuna eram os livros e a cultura foi o terceiro filho de sete, A infância de Bram foi difícil: passou os primeiros oito anos de sua vida confinado à cama por uma série de enfermidades que os médicos não puderam debelar. A sua relação com a mãe, a “feminista” Charlotte Blake Thornley, era excepcionalmente íntima e a Sra. Stoker partilhou com o filho seu amor por contos de fadas, histórias de mistério e fantasmas. E também o conhecimento de apavorantes narrativas da epidemia de cólera de 1832 que ela havia testemunhado.

Aos dezesseis anos, tendo superado a enfermidade, Bram ingressou no Trinity College de Dublin (1864), aonde realizou seus estudos, diplomando-se em Matemática (Bacharel em Ciências, com louvor, 1870). Em 1866, iniciou uma carreira de funcionário público (que transcorreu toda na Irlanda) e de crítico teatral para o Dublin Evening Mail – que pertencia ao escritor ‘gótico’ Joseph Sheridan Le Fanu – o futuro autor de “Carmilla”.



Quase sempre escrevia à noite: noturnal e noctívago ficava muito à vontade na noite – ativo e desperto – uma verdadeira coruja. Nesse período, escreverá várias peças teatrais que publicará em diversos periódicos que recebiam suas colaborações – geralmente sem lhe pagar nenhuma remuneração. As primeiras histórias de terror & mistério de Stoker apareceram na revista “The Shamrock” (The Crystal Cup /1872).Como burocrata, a serviço da Justiça, escreveu um manual intitulado “Deveres dos amanuenses e escrivães nas audiências para julgamento de pequenas causas e delitos na Irlanda”.

Desempenhou também cargos universitários, pertenceu a sociedades científicas e literárias, colaborou em periódicos, sendo cronista, jornalista, contador, diretor de um jornal vespertino; agente teatral, secretário particular e administrador do Royal Lyceum Theatre em Covent Garden (Londres), para o famoso ator shakespeariano Henry Irving. Foi, aliás, Sir Henry Irving – “de voz sibilante e terrível” – quem inspirou a Bram Stoker a figura do diabólico Conde-vampiro dos Székes Transilvanos (grupo étnico que se localizou na Transilvânia, “a terra situada além das densas florestas” romenas, a partir do século VII ou no fim do século IX, como querem alguns, oriundo de tribos húngaras ou búlgaras), “descenden¬tes de Átila e [dos] Hunos”, “altiva raça que cruzou o Danúbio para bater o Turco em sua própria terra” e “rechaçou de volta as suas origens os magiares, os lombardos, os avares e os turcos” (1).

Irving recompensou o seu fiel discípulo e colaborador fazendo uma leitura dos diálogos de Drácula no palco do Lyceum Theatre. Um ano após a publicação de Dracula (em maio de 1897), a carreira de Stoker entrou em declínio. Um incêndio no Lyceum destruiu a maior parte do guarda-roupa, adereços e equipamentos do teatro que fechou em 1902. Irving morreu em 1905 e a saúde de Bram piorava sensivelmente. Naquele ano teve um derrame e, logo a seguir, contraiu a doença de Bright que afeta os rins. Foi com grande dificuldade que Stoker escreveu seus últimos livros. O homem que escreveu Drácula faleceu aos sessenta e quatro anos, esgotado e empobrecido por longos anos de luta contra a sífilis (2), sem ter podido gozar o notável sucesso de sua criação. Drácula continua sendo a obra literária mais freqüentemente adaptada para o cinema e seus personagens as figuras mais retratadas na tela, além de Sherlock Holmes e do Dr. Watson. Em 1987, a Horror Writers of America instituiu um conjunto de prêmios anuais em seu campo de atuação que foi batizado com o nome de “Bram Stoker Award”.

Publicou: The Primrose Path (1875); The Duties of Clerks of Petty Sessions in Ireland (1878); Under the Sunset (1881) [comprising eight fairy tales for children]; A Glimpse of America: A Lecture Given at the London Institution at 28 December 1885 (1886); The Snake’s Pass (1890); The Watter’s Mou (1894); Croken Sands (1894); The Shoulder of Shasta (1895); Dracula (1897); Miss Betty (1898); The Mystery of the Sea (1901); The Jewel of Seven Stars (1903); The Man (aka: The Gates of Life) (1904); Personal Reminiscences of Henry Irving (1906); Lady Athlyne (1908); Snowbound: The Record of a Theatrical Touring Party (1908); The Lady of the Shroud (1909); Famous Impostors (1910); The Lair of the White Worm (1911).

Contos Recompilados: Bridal of Dead (Final alternativo a The Jewel of Seven Stars); Buried Treasures; The Crystal Cup (1872) – publicado pela 'London Society'; The Chain of Destiny, originalmente publicada em quatro partes na revista ‘The Shamrock’ (1872); The Dua litists [aka] The Death Doom of the Double Born; "Lord Castleton Explains" (chapter 10 of The Fate of Fenella) (1892); "The Gombeen Man" (chapter 3 of The Snake's Pass); In the Valley of the Shadow; The Man from Shorrox'; The Red Stockade; "The Seer" (chapters 1 and 2 of The Mystery of the Sea); The Judge's House.

Post-Mortem: Dracula’s Guest and Other Weird Stories (1914); Bram Stoker's Notes for Dracula: A Facsimile Edition (2008) Bram Stoker Annotated and Transcribed by Robert Eighteen-Bisang and Elizabeth Miller, Foreword by Michael Barsanti. Jefferson NC & London: McFarland; The Bram Stoker Bedtime Companion (1973); Midnight Tales (1990), Bram Stoker’s Dracula Omnibus (1992), The Essential Dracula, Ed. Leonard Wolf (1993); Beyond Dracula by William Hughes, (Palgrave, 2000).

Bram Stoker em Português: “Dracula” tem sido repetidamente publicado por várias editoras em sucessivas edições, sob vários formatos: a L&PM Editores de Porto Alegre, a Editora Record do Rio de Janeiro, a EDIBOLSO e o Círculo do Livro de São Paulo publicaram a tradução de Theobaldo de Souza, em uma versão integral a partir do original em inglês, no caso da L&PM, Record e Círculo do Livro. A EDIBOLSO lançou uma versão adaptada por Robert H. K. Walter do texto de T. de Souza para a edição em formato de bolso. As editoras Garnier, Rio Gráfica, Tecnoprint e Ediouro do Rio de Janeiro publicaram edições resumidas ou condensadas da obra.

Em Portugal, a Publicações Europa-América editou três versões em dois formatos diferentes. “The Lair of the White Worm” foi publicado em português pela Global de São Paulo sob o título de “O Monstro Branco” (3), em uma tradução de João Evangelista Franco a partir do texto francês “Le Repaire du Ver Blanc” de Christian Bourgois Editeur. A Tecnoprint editou a mesma obra sob o título “O Castelo da Serpente”. “Os Sete Dedos da Morte” (The Jewel of Seven Stars) e “O Caixão da Mulher Vampiro” (The Lady of the Shroud), também publicados sob o selo da Tecnoprint, foram recolhidos pela Ediouro, a sucessora da Tecnoprint, e, atualmente, só podem ser encontrados em sebos, já que estão fora de catálogo.

Os contos de Bram, publicados por sua viúva Florence Balcombe (a beldade de vinte anos que havia aceitado a proposta de casamento de Stoker em 1878, rompendo um noivado de três anos com Oscar Wilde), aparecem em coletâneas das Publicações Europa-América, “Contos” e “Novos Contos do Sobrenatural” – Série Pêndulo números 30 e 50. Em “A Casa do Juiz”, escrito em 1891 (quando Stoker começava a trabalhar na composição de Drácula), já temos um vilão de fisionomia sólida e impiedosa... Com uma boca sensual, nariz adunco e lividez cadavérica! O “Hóspede de Drácula” é na realidade um capítulo extirpado de Drácula. Eliminado pelos editores que consideraram o manuscrito original muito longo...

Uma análise do panorama intelectual da época em que Stoker viveu revela a forte influência dos movimentos espiritualistas na Inglaterra Vitoriana de fins do século XIX e inícios da Era Eduardiana no XX: a “Belle-Époque”.

Estranhas combinações de esotérico cientificismo e ritualístico misticismo eram dadas à luz, ganhavam notoriedade e esfumavam-se na pira da aclamação popular.

Racional e irracional achavam-se estreitamente ligados, as distinções eram muito artificiais. Neste sentido, a figura e a obra do escritor e médico inglês Arthur Conan Doyle (1859-1930), criador de Sherlock Holmes e de seu fiel biógrafo o Dr. Watson, são emblemáticas: aos domínios de raciocínio lógico e agudeza intelectual de Holmes não era estranho, graças ao poder de observação muito sutil, o Reino das Fadas...

O pensamento e as doutrinas de Henri Bergson (1859-1941) exerciam considerável influência neste período de viragem histórica. O laureado Nobel de Literatura de 1927 postulava a “Ação” como ponto inicial de seu sistema filosófico que pretendia combater o Materialismo.

Para Bergson, além do conhecimento científico, existia o conhecimento filosófico, assim como além do conhecimento pela inteligência existe o que é fornecido pela intuição. Intuição dos dados da consciência separados da idéia de espaço e matéria. O pensamento científico, pela análise e abstração, mostra-se incapaz de compreender ou captar a vida e o espírito, os quais constituem o fundo da Realidade...

No que concerne a Bram Stoker, foi o convite feito por Henry Irving para assumir a direção do Lyceum em 1876 que o trouxe a Londres. Era o início de uma longa colaboração de 27 anos que perduraria praticamente até a morte de Irving.

O trabalho com Irving põe Stoker em contato com a sociedade inglesa ou certa sociedade londrina apaixonada pelo sobrenatural. Bram sempre guardou certo gosto pelo fantástico.

Stoker vai se filiar à famosa sociedade secreta mágico-iniciadora da “Golden Dawn in the Outer” – sobre à qual muito ouvimos falar no vol. 2 d’O Oculto de Colin Wilson [RJ: Ed. Francisco Alves,1982] ou nos livros de Louis Pauwels & Jacques Bergier [O Despertar dos Mágicos – DIFEL/Bertrand Brasil; Os Livros Malditos – Ed. Hemus]

Ao lado de Stoker, encontravam-se outros escritores tais como o poeta William Butler Yeats (1865-1939), Arthur Machen, Algernon Blackwood e Sax Rohmer. A Golden Dawn, ordem iniciática embasada em conhecimentos ocultos e práticas de magia, devem ter influenciado os autores de Le Grand Dieu Pan, Fu-Manchu e Drácula (Machen, Rohmer e Stoker).

Samuel L. Mathers, infortunado amigo de Aleister Crowley e um dos três fundadores da Golden Dawn, era o marido da irmã de Henri Bergson. É possível supor que venha daí a familiaridade de Stoker com as idéias bergsonianas. Nesse fim de século, tudo é possível! Foi assim que ele pôde encontrar em Londres “vampires’personalities”, “sugadores de sangue”, cujas características permanecem contudo muito vagas.

A presença do “jornalista” Stoker em diligências da Yard londrina possibilitaram ao futuro autor de Drácula um contato em primeira mão com os corpos exangues de vítimas de homicídios que, na época, ainda apresentavam mutilações e cortes característicos de vampirismo e profanação satânica.

Percorrendo as prisões britânicas, Stoker pôde encontrar detentos obcecados pela compulsão de verter sangue, vê-lo fluir ou mesmo bebê-lo. (4)

Mas o vampirismo já havia inspirado o gótico britânico dos séculos XVIII e XIX e nutrido a imaginação do criador de Drácula bem antes de Bram Stoker começar a procurar a ambientação e a legenda para o seu nosferatu carpatiano.

É interessante destacar o aparecimento de Carmilla (de Sheridan Le Fanu) em 1872 e d’O Estranho Caso do Doutor Jekyll e Mr. Hyde (de Robert Louis Stevenson) em 1886.

Nos trabalhos de Ann Radcliffe, Coleridge, Byron, Polidori, Rymer, Le Fanu e Wilkie Collins estão as raízes ancestrais do Conde Wampyr de Estyria!

Ignora-se freqüentemente que, embora Stoker tenha mudado o nome do seu Conde-vampiro ainda na fase inicial da elaboração do livro (por volta de 1890, quando leu os artigos de Emily Gerard e resolveu delinear o seu personagem como um nobre transilvano do século XV), ele só decidiu utilizar ‘Dracula’(5) – como título – pouco tempo antes da sua publicação em maio de 1897.

É o ponto central da carreira literária de Abraham Stoker, os outros livros apresentam intuições brilhantes, ainda que não desenvolvidas plenamente. Como se a partir de Drácula, a inspiração de Bram se interiorizasse, manifestando-se apenas em jatos intermitentes. Infelizmente!

Foram muito poucos os que souberam reconhecer a sua importância e o compararam a Frankenstein. No dizer de J. Gordon Melton: “nenhum crítico percebeu que Stoker tinha chegado ao ápice da literatura, mas a verdade é que poucos autores chegaram ao cume que Stoker alcançou”...

A decisão de contar a história por meio do testemunho de múltiplos registros (diários, cartas, notas, recortes de jornais, gravações) partiu provavelmente da leitura dos livros de Wilkie Collins (The Moonstone, The Woman in White). Esta alternância de pontos de vista dos diferentes personagens tem a propriedade de conservar intacto o mistério de Drácula, dado que este é sempre indiretamente aproximado do leitor. Negando-se uma voz narrativa ao Conde também se reforça textualmente o seu papel como o Outro. O estrangeiro, a criatura das trevas...

Para localizar o cenário da sua lúgubre epopéia, Stoker valeu-se de um completo e pormenorizado guia de viagem, o Baedecker, bem como dos livros e mapas do British Museum, particularmente “The Land Beyond the Forest” de Emily Gerard. As longas conversações que manteve com um amigo húngaro também ajudaram...

Por que optou pela Europa Central e pelos Cárpatos como sítio do Castelo de Drácula? O próprio Stoker responde à questão no Diário de Jonathan Harker:

(Notas taquigráficas)
“Três de maio, Bistritz (...) Dispondo de algum tempo livre durante minha permanência em Londres, ali freqüentei o Museu Britânico, consultando livros e mapas geográficos na biblioteca, a fim de recolher dados sobre a Transilvânia. (...) Verifiquei então que o distrito por ele citado se achava localizado no extremo oriental do território precisamente na faixa limítrofe de três Estados: Transilvânia, Moldávia e Bukovina, no centro da cadeia dos Cárpatos, um dos mais selvagens e desconhecidos sítios da Europa. Em nenhuma das muitas obras e mapas consultados me foi possível estabelecer a exata localização do Castelo de Drácula”
[Drácula, 2ed, Porto Alegre: L&PM Editores, 1985 p. 7 e 8]

Dessa forma referencia-se o itinerário do procurador Jonathan Harker, cuja viagem pela Alemanha, Áustria, Hungria e Romênia pode ser traçada nos mapas com precisão matemática. Harker viaja de Budapeste para o norte da Transilvânia, então parte do Império Austro-Húngaro. Seu destino final era uma localização não-assinalada em qualquer mapa: o Castelo de Drácula.

O percurso, duração e impressões da viagem equivalem a uma experiência real. Stoker informou-se tão bem sobre a Transilvânia que parecia lá já ter estado!

A identificação do Castelo com o seu senhor é um leitmotif / tema que aproxima Drácula da primeira ficção gótica (O Castelo de Otranto publicado em 1764 por Sir Horace Walpole). Mas não podemos deixar de especular... Stoker leu algo a respeito de um antigo castelo no Borgo Pass? Sabia algo sobre o Castelo Bram? É claro que nada poderia saber sobre a fortaleza de Vlad Tepes nos Arges...

Igualmente interessante é a questão do vampirismo em Drácula.

Além da significativa influência das fontes literárias (Lord Ruthven, o vampiro de John Polidori, Sir Francis Varney de James Malcolm Rymer e a Condessa Karnstein de Le Fanu são os ascendentes mais prováveis), o artigo de Gerard “Transylvanian Superstitions” pode ter fornecido a Stoker uma explicação para o “estigma de caim” do seu protagonista: o detalhe do Scholomance, a escola do Demônio nas montanhas da Transilvânia, aonde os Dráculas iam buscar os seus segredos.

[O Diário de Mina Harker - Trinta de setembro]
“(Professor Abraham Van Helsing) Segundo Arminius,
da Universidade de Budapeste, os Dráculas pertenciam a uma grande e nobre estirpe, embora vez por outra também apresentassem certas degenerescências que, na versão de seus contemporâneos, os levassem a manter estreitas ligações com o Maligno. Eles se apoderaram dos seus torvos segredos nos antros de necromancia, existentes às escarpadas margens do Lago de Hermanstadt, onde o Demônio ia recrutar o seu dízimo humano entre os indiciados para, a partir daí, submetê-los a seus serviços. Nos registros de então, as expressões mais encontradiças são stregoica, que significa bruxa; ordog e pokol que são o mesmo que Satanás e Inferno; e, num determinado manuscrito, este mesmo Drácula é descrito como um wampyr, cuja lexicologia conhecemos já perfeitamente. Houve neste clã muitas e sucessivas gerações de grandes homens e bondosas mulheres e até hoje seus túmulos santificam aquele chão onde somente o mal podia florescer. Pois não é certamente o menor dos seus terrores devermos admitir que este ser do mal ainda conserva suas raízes profundamente mergulhadas nas terras do Bem, visto como sobre os solos de sagradas memórias ele jamais poderia deter-se.” [Drácula, L&PM, p. 301]

É este Drácula fictício e não o histórico que conquistou a imaginação do mundo ocidental. “O fascínio de Drácula reside em seu mito, não em sua realidade” (Florescu & McNally).

A idéia de um morto retornar para reivindicar o amor de um vivo era um tópico popular no folclore europeu. Mas seria apenas uma questão de tempo que Lê Frisson des Vampires invadisse os salões, os cafés, os bordéis, teatros, óperas, salas de jogos, banhos, clubes, gabinetes de leitura... Em suma todos os espaços onde se reuniam os círculos literários!
Em 1748, Heinrich August Ossenfelder tinha publicado o poema "Der Vampir" – reconhecido como a primeira ficção poética moderna a propalar o tema na Europa; versões traduzidas circularam na Inglaterra.

Uma das mais famosas peças literárias a abordar o vampirismo foi a balada “Lenore” (1790) de Gottfried August Bürger (autor das “Aventuras do Barão de Münchhausen”) popularizada na língua inglesa graças às traduções de Sir Walter Scott e Dante Gabriel Rossetti. O tio de Rossetti era o mesmo John-William Polidori que em 1819 publicaria “The Vampyre: a tale”, a primeira história/novela em prosa da língua inglesa a fixar a imagem do vampiro na literatura ocidental; o nosferatu agora é um pálido dândi sedutor em capa preta: um refinado aristocrata de ‘café-society’ que se mistura às rodas sociais para escolher e mesmerizar a sua presa. Completamente embriagada no fascínio e élan do Undead, a vítima sucumbe à perdição do amor profano, satisfazendo a “sede de um vampiro”!

Em 1797, é a vez de Johann Wolfgang von Göethe – o celebrado autor de “Fausto” e d’Os Sofrimentos do Jovem Werther”– inovar, introduzindo na história da literatura ocidental uma ‘vampirella’ com a publicação de "Die Braut von Corinth": the ‘Göethe’s First Vampire Female Poem’ – "The Bride of Corinth”.

Segundo Roger Vadim (cineasta francês de Rosas de Sangue/Carmilla)
"de todas as manifestações poéticas do Ocultismo, o mito do vampiro é a mais atrativa, duradoura, resistente e satisfatória".

Uma justificativa para esse permanente poder de atração da legenda vampiresca pode ser encontrada na riqueza das tradições mitológicas (ainda que a geografia cultural da legenda seja eminentemente ocidental e européia, na forma sob a qual nos foi legada), no grande número de relatos e obras publicadas, na psicanálise freudiana e por extensão nas concepções sociológicas marxistas e marcusianas:

Eros e Thânatos (amor, sexo e morte) são elementos chaves para o entendimento de nossa civilização.

O vampirismo (enquanto relação sublimada (!) na arte, literatura, etc.) permite o pleno desfrute do binômio sangue-sexo.

Transferimos para o nosferatu – ser vivente que se recusa a acatar a implacável lei natural e perecer – toda a magia de nossa sede de imortalidade QUE É também uma vontade de liberdade, uma reação contra os mecanismos de coerção e correção social que nos limitam e aprisionam.

A busca de imortalidade é (pode ser), em última análise, a busca de liberdade e da felicidade.

Segundo Marcuse, liberdade e felicidade são termos intimamente relacionados: "A felicidade, como realização de todas as potencialidades do indivíduo, pressupõe liberdade (...), no fundo é liberdade."

Em um esquema circular (com idéias desenvolvidas por Marcuse na Escola de Frankfurt entre 1934 e 1938) procuramos explicar a razão da contínua popularidade do vampiro nas organizações sociais desenvolvidas após a Revolução Industrial do século XVIII:

A sociedade capitalista e burguesa gerou / foi gerada por uma idéia limitada / limitadora de liberdade que levou a uma idéia de felicidade ainda mais limitada. Tal sociedade é incapaz de conciliar a felicidade particular com a felicidade geral, ela não pode mesmo se dar ao luxo de gozar a felicidade.

O prazer está associado com a restrita liberdade do indivíduo em relação à necessidade de trabalhar e ao mercado, apanágios da moderna sociedade industrial.

É preciso trabalhar!

Como o prazer está estreitamente ligado à idéia de lazer é desvalorizado. A desvalorização nunca é mais radical do que quando se fala em sexualidade.

A satisfação do prazer sensual, segundo filósofos burgueses como Espinosa e Fichte (mas os gregos já emitiam opiniões semelhantes), é desonrosa quando divorciada do casamento para (e dos) fins de procriação. A procriação serve aos fins do Capitalismo de Estado: produzir trabalhadores e soldados.

"O abandono impuro e irracional às relações sexuais representaria a mais intensa entrega ao prazer como tal, bem como equivaleria à total desvalorização do trabalho-pelo-próprio-trabalho".

Existindo a ordem social burguesa que compele à disciplina do trabalho, a sexualidade deve ser frustrada. Porque revela a falta de satisfação do indivíduo no processo de trabalho.

A literatura fantástica lida com o proibido que, ao mesmo tempo, é horripilante e sedutor. Aquilo que normalmente está oculto. Vasculha o conteúdo da matéria de que são feitos os sonhos, as emoções, desejos e impulsos do inconsciente em busca de expressão.

Desejos proibitivos constituem fatores de desequilíbrio na estrutura da personalidade. Inconfessáveis, afloram alegoricamente na linguagem onírica da realização dos desejos: o sonho.

O mal sublimado nos sonhos oferece a possibilidade de retorno à ordem e a paz social.

Critica-se a literatura fantástica por reter estruturalmente um certo “conservadorismo acrítico”, “conformismo social” que reforçaria permanentemente a ordem vigente. Quando não por ser escapista, evasiva, uma fuga das realidades concretas e imediatas.

Não obstante, a literatura fantástica proclama a liberdade do homem, mesmo no mal, para a escolha da ação.

As personagens de Stoker são positivas (em graus diversos) porque agem. A vida é contínua modificação e diversificação em sucessivas criações [Byron e Bergson].

Vendo por este prisma, não se pode compreender o mundo, a não ser que seja ele impelido por uma ação, seja ela mágica onírica ou artística.

Drácula, o príncipe negro da Transilvânia, ajusta-se a tais critérios, mas – sem dúvida – é mais do que uma hipérbole da reprimida sexualidade vitoriana. (Reprimida e liberada pelas convenções, os vitorianos viviam intensamente uma vida dupla passada em clubes e casas noturnas...) Sombra especular de nossos egos, oferece a oportunidade de maior liberdade na harmonização das polaridades de uma personalidade pluripotente: em um ser uno, não mais dividido e fragmentado.

Assim o mundo parte do sonho e ao
sonho retorna tomando às vezes a forma de um pesadelo.

Quando questionado, Abraham Stoker respondia que Drácula fora inspirado num pesadelo provocado por indigestão de frutos do mar...

"La fête du sang" (the feast of blood - subtítulo de um livro de James Malcolm Rymer) celebrada por Drácula, o "príncipe nas Trevas", deve dar lugar a uma ressurreição e ascese mais espiritual?

Para Stoker, assemelham-se os dois caminhos; é preciso ir até o fim do terror e enfrentá-lo. O grão deve perecer para que frutifique:

[O Diário de Jonathan Harker - Três de outubro]
"(Van Helsing) falou num tom tão contrito que eu mesmo me emocionei com sua inspiração, e já começava a sentir um mundo exterior bem diferente:
- Talvez a senhora [Mina Harker] tenha de carregar sobre sua face esse estigma até que Deus se compadeça de sua provação, como certamente o fará em consideração ao Dia do Julgamento Final, para redenção de todos os males da terra e de Seu Filho, que viveu entre todos nós.(...) Tão certo como nossas vidas, esse estigma desaparecerá assim que Deus nos ajudar a aliviar o mundo do incômodo fardo que tanto nos aflige. Até lá carregaremos a nossa Cruz, assim como Seu Amado Filho fez, em obediência a Sua Vontade. Talvez tenhamos sido escolhidos como instrumentos de Sua Boa Vontade, e que assim ascendamos a Seu chamamento, como aquele outro, que rastejará na própria vergonha; através de lágrimas e sangue; mediante dúvidas e temores, enfim, tudo o que marca a diferença entre Deus e o homem." [Drácula, L&PM, p. 367]

Depois surge a luz: as páginas finais evocam uma aurora radiosa sem as nuvens portadoras da angustia:

[O Diário de Mina Harker - Seis de novembro]
"Um contentamento perdurará para sempre em meu coração até o instante final de minha existência: na consumação da morte [do Conde Drácula] estampara-se em seu rosto uma sensação de paz, como eu jamais imaginara que ainda pudesse comportar. Agora, o Castelo de Drácula parecia emergir do fundo de um céu ensangüentado, e cada pedra de suas muralhas decadentes estava sendo esquadrinhados pelos afogueados raios do sol poente." [Drácula, L&PM, p. 461]


Bram Stoker escreveu 17 livros, nenhum deles porém foi capaz de obliterar o fascínio crescente que ia se acumulando em torno da legenda do seu príncipe-vampiro transilvano. Quando Stoker morreu em 1912, “Drácula” estava em nona edição e já havia ganhado os palcos londrinos.

O biógrafo de Stoker, Harry Ludlam escreveu: “Há um profundo mistério entre as linhas de sua obra... o mistério do espírito do homem que as redigiu...”

Se existem respostas para o mistério de Stoker é nas páginas de sua obra que devemos procurá-las.

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